Fonte: https://papodehomem.com.br/comunicacao-nao-violenta-o-que-e-e-como-praticar/
Por Frederico Mattos
"Tomara
que você sofra muito! Beijos, seu otario." –Disqus Papo de
Homem
"Vai
dar meia hora de bunda com o relógio parado." –Youtube de garoto que sofre por homofobia (outro
comentário apagado)
"Porra
gente, para de ser escrota e julgar as pessoas que vocês não conhecem. Sério,
escrotíssimo." –Instagram do Pc Siqueira de uma garota que o defende
usando da mesma agressividade
O
que todas essas frases têm em comum? Elas parecem desconsiderar completamente
para quem estão dirigindo sua mensagem e os efeitos que terão sobre o seu alvo.
Quando
leio esse tipo de comentário me sinto triste. Pois espero consideração, empatia
e compaixão quando alguém se dirige a outra pessoa – mesmo que seja para
discordar de algo significativo.
Mesmo
o quarto comentário citado acima que pretende defender algum tipo de ataque
acaba por alimentar a agressividade que emerge no contexto. Ao invés de
considerar as reais intenções por trás do que está sendo dito – busca por
atenção e validação social; supostamente preservar algo que consideram positivo
na vida do PC Siqueira (ainda que ele não tenha pedido esse tipo de
assessoria).
Esses
discursos sinalizam uma violência cotidiana, que perpetuamos inconscientemente.
Quero
explicar de forma cuidadosa quais os efeitos que esse tipo de desconsideração
pelos outros causa nas nossas relações.
"Não pense que o que diz é empatia. Assim que
pensa que o que diz é empatia, estamos distantes do objetivo. Empatia é onde
conectamos nossa atenção, nossa consciência, não o que falamos." – Marshall
Rosenberg
A violência silenciosa
Podemos
passar uma vida inteira com uma sensação de vazio, vivendo de forma apática,
fria e superficial, mas completamente crédulos de que está tudo bem.
Muitas
pessoas passam uma vida inteira se comunicando de maneira desconsiderada ou até
mesmo violenta, sem que se deem conta disso. Acabam, por consequência, não
estabelecendo relações significativas e íntimas e acham que está tudo bem, que
é assim mesmo.
Como
resultado, podem surgir camadas internas de ressentimento, raiva e frustração,
pois a pessoa nunca se sente realmente parte de algo enriquecedor.
A
definição de Comunicação Não-Violenta(CNV) nos diz que ela:
"...é
baseada nos princípios da não-violência – o estado natural de compaixão
quando a não-violência está presente no coração.
CNV começa por assumir que somos todos compassivo por natureza e que
estratégias violentas - se verbais ou físicas - são aprendidas ensinadas e
apoiadas pela cultura dominante.
CNV também assume que todos compartilham o mesmo, necessidades humanas básicas,
e que cada uma de nossas ações são uma estratégia para atender a uma ou mais
dessas necessidades."
Fonte
Quando
tomei contato com o trabalho de Marshall
Rosenberg e a Comunicação Não-Violenta
(CNV) em 2006, percebi que muitos dos problemas que atravessamos nos
relacionamentos pessoais e profissionais poderiam ser resolvidos se tivéssemos
a habilidade de criar uma comunicação cheia de empatia e compaixão,
fundamentada na ideia de uma vida mais rica e harmoniosa com os outros.
Origem da CNV
"A
não-violência significa permitirmos que venha à tona aquilo que existe de
positivo em nós e que sejamos dominados pelo amor, respeito, compreensão,
gratidão, compaixão e preocupação com os outros em vez de sermos pelas atitudes
egocêntricas, egoístas, gananciosas, odientas, preconceituosas, suspeitosas e
agressivas que costumam dominar nosso pensamento. (...) O mundo em que vivemos
é aquilo que fazemos dele" - Arun Gandhi (neto
de Gandhi e fundador do Instituto Gandhi pela Não-violência)
Quando
o psicólogo americano Marshall Rosenberg tinha 9 anos precisou ficar trancado
por 3 dias em casa com sua família por conta de um conflito
racial que eclodiu na sua vizinhança, em Detroit, culminando na morte de quarenta pessoas.
Já
formado, começou a pesquisar os fatores que afetam a capacidade humana de se
manter compassivo. Por conta disso, caiu imediatamente no papel crucial da
linguagem e do uso das palavras e desenvolveu uma abordagem específica de
comunicação (falar e ouvir) – que permita uma conexão maior entre as pessoas
para que a compaixão possa emergir, mesmo em situações críticas.
Ele
vem realizando um trabalho de conscientização em mais de 65 países, proferindo
palestras em locais de conflito e guerra como na Cisjordânia, Ruanda, Croácia e
Belgrado.
No
entanto, a comunicação não-violenta pode ser aproveitada por todas as pessoas,
não somente aquelas que lidam com situações de conflito ou que atravessam um
impasse com alguém significativo.
Ela
exige bastante prática, esforço, paciência, dedicação e envolvimento genuíno.
Objetivo da Comunicação não-violenta
"O
que almejo em minha vida é compaixão, um fluxo entre mim e os outros com base
numa entrega mútua, do fundo do coração." –Marshall Rosenberg
A
CNV essencialmente busca a pacificação de uma guerra cotidiana, já que nos
habituamos a expressar o que queremos de forma impositiva e desatenta.
É
muito comum as pessoas expressarem certo tédio, tristeza, raiva ou frieza no
dia-a-dia, sem notar que cultivam uma nociva desconexão e lentamente passam a
não ver sentido em suas conversas, encontros e eventos sociais.
Apesar
de sentirem um clima de cinismo, falsidade e hipocrisia generalizada, essas
pessoas não conseguem identificar em si mesmas a alienação emocional que
condenam nos outros.
A
CNV tem o objetivo de resgatar o que há de mais genuíno nas pessoas: suas
emoções, valores e a capacidade de se expressarem com honestidade, ajudando os
outros com real empatia – ou seja, mergulhando nas verdadeiras necessidades do
outro e não em sua vontade de parecer altruísta.
As motivações ocultas da comunicação
"A
arte de fazer a vida significativa e bela, o que envolve a descoberta de
conexões entre o que parece não ter conexões, unindo pessoas e lugares, desejos
e memórias, através de detalhes cujas implicações passaram
despercebidas." –Theodore Zeldin
Ao
conversar sobre qualquer assunto o que mais idealizamos, sem saber, é criar
algum tipo de troca e escuta saudável. Ninguém quer um relacionamento truncado,
aflitivo e cheio de problemas.
Muitas
vezes não conseguimos e aumentamos o abismo psicológico entre nós e os outros.
Usamos
termos agressivos, palavrões, ataques desproporcionais, acusações e trocas
de argumentos falaciosos para
chegar ao final de uma conversa com a sensação de soberania.
Basta
reparar como as pessoas falam com suas mães, alvo usual de descarga
emocional. O resultado de longo prazo é que depois de muito tempo de
convívio já não sentimos aquela vibração ou conexão inicial estimulante.
A
comunicação usual que estabelecemos é cheia de ruídos, vindos também de uma
dificuldade pessoal em se abrir de forma vulnerável e em atingir a pessoa na
necessidade delicada de ser apreciada.
Velhos hábitos, grandes danos, raízes profundas...
compaixão
"Para
além das ideias de certo e errado, existe um campo. Eu me encontrarei com você
lá." –Rumi
A
maioria das bases educacionais e morais que conhecemos é violenta. Ao
estabelecer noções rígidas de certo e errado, estabelecemos também as ideias
implícitas de mérito e punição.
A
educação formal, familiar e a cultura ( educação) nos arrastam para julgamentos
moralizadores como culpa, insulto, depreciação, rotulação, crítica, comparação
e diagnósticos, ou seja, uma linguagem rica em palavas que classificam e
separam as pessoas e seus atos em dois grupos: os privilegiados e os excluídos.
Comentários que resultaram no texto "Por que transformamos tudo em
zoeira?"
EXEMPLOS...
Essa
linguagem de coerção, ameaças e chantagens faz com que as pessoas expressem
cada vez menos boa vontade, ainda que se submetam aos valores expostos.
Pois
ao aceitá-los, internalizaram também culpa, medo, ressentimento e vergonha.
Ou
seja, mesmo que os valores apresentados sejam coerentes, as pessoas tendem a se
afastar deles ou de sua origem, pois foram impostos.
Nossa
linguagem habitual vem dos mesmos locais, compartilha dessa raiz que busca
dominar e convencer. E não se conectar e se relacionar.
Mais,
nossa linguagem usual também tende a nos esconder da responsabilidade por
nossas ações, nos desconectando de nossos atos e das pessoas em volta.
Alguns
exemplos nos quais ameaçamos e chantageamos:
"Eu
fui com você aquele dia numa festa e agora você se nega a ir comigo. De
verdade, só nunca mais peça nada para mim!"
"Eu
sou sua mãe e sei o que é melhor para você. Se fizer isso causará uma decepção
profunda no meu coração"
Exemplos
nos quais não assumimos a responsabilidade:
“Não tinha como fazer diferente, meu
chefe me obrigou.” (autoridade)
“Fiz isso porque me deu tesão, sou uma pessoa muito instintiva.” (justificado
por impulso)
“Sou assim por causa da minha infância/mãe/pneumonia/depressão.” (condição
psicológico ou patológica)
“Bati nele porque me procovou.” (ação do outro)
*
* *
Gostaria
de apresentar as principais ferramentas que a CNV oferece, e que certamente são
muito mais que técnicas para manipular situações de guerra, conflitos
internacionais ou brigas de gangues, apesar de serem extremamente úteis nessas
situações-limite.
Para
facilitar o processo de comunicação, Marshall Rosenberg identificou 4
componentes para diminuir a nossa posição defensiva e criar um espaço receptivo
aos outros.
Os quatro componentes da comunicação
não-violenta
1.
Como se expressar com honestidade
1.1.
Observar: de maneira descritiva e não julgadora
Aparentemente
nos consideramos ótimos observadores da realidade, mas não percebemos a sutil
diferença em afirmar, "fulano é um babaca" e "quando
fulano fala alto e usa xingamentos me sinto acuado e com medo".
No
primeiro caso, estamos fazendo uma observação carregada de adjetivos que
transformam um retrato particular numa história taxativa de como uma pessoa age
se detendo nas aparências, sem oferecer empatia.
Além
do mais, o autor da frase negligencia sua profunda necessidade e reage ao que
sente diante daquela ação e despeja sobre o outro sua fúria.
A
observação da CNV procura descrever o fato sem generalizações ou exageros
linguísticos como "sempre", "nunca", "jamais".
Exemplo:
–
Porra, cara, você nunca vem nas minhas festas, hein!
Seria,
pela CNV:
–
Porra, cara, você só veio duas vezes esse ano nas minhas festas. E sinto
saudade da sua presença!
É
quase uma linguagem textual que coloca a comunicação num nível bem próximo do
que aconteceu.
Ao
contrário do julgamento que cria uma reação defensiva e cheia de culpa, a
avaliação tem o efeito de aproximar as pessoas porque não taxa ou fecha alguém
num adjetivo.
Além
do mais, evita o discurso carregado de culpa, merecimento ou punição que tanto
utilizamos ao avaliar uma pessoa.
1.2.
Sentimento: como nos sentimos em relação ao que estamos observando?
Nosso
repertório sentimental é muito escasso, normalmente expressamos sentimentos
como "um troço no peito" ou "sinto como se você me
odiasse". Nos dois casos não há nenhuma descrição efetiva de sentimento.
No
primeiro, falamos de uma sensação física inespecífica e no segundo falamos de
um pensamento seguido de um julgamento sobre o outro.
Talvez
fosse mais exato falar em "me sinto angustiado" ou "me sinto
triste quando diz que vai embora de casa".
Além
do pouco que conhecemos sobre sentimentos, ainda existe o agravante de os
considerarmos um sinal de fraqueza.
A
CNV estimula uma forma de expressão reveladoramente emocional, mesmo que se
corra o risco de ser visto como fraco. Dialogar a partir de um sentimento
desarma uma contra-reação hostil.
Como
rebater alguém que acabou de expressar que se sente triste diante de nossa
desonestidade? Poderíamos tentar justificar alguma coisa, mas o sentimento do
outro ainda estaria lá diante de nós.
Exemplo
de uma namorada falando com seu parceiro:
–
Ontem você me contou para onde tinha ido com seus amigos e logo depois eles me
enviaram um torpedo dizendo que estão com saudades [fato descritivo]. Me sinto
muito desestimulada e triste [sentimento] a seguir no relacionamento dessa
forma, na qual as informações são desencontradas e contraditórias [sem
acusação, só um retrato]. Portanto, peço que seja mais claro e honesto
[necessidade profunda] ao falar sobre suas intenções quando sai de casa sem mim
[pedido específico de um comportamento, não genérico].
Nossos
sentimentos resultam de como escolhemos receber as ações e falas dos outros.
Segundo
a CNV, podemos reagir de quatro formas a uma mensagem negativa – a algo como
"você é um egoísta":
a)
Culpar a nós mesmos. Quando tomamos algo como
pessoal e com isso diminuimos o valor do que fizemos com uma aparente
autoreflexão, que não vai muito além do martírio.
A
reação seria:
"Oh,
me perdoe, eu deveria ser mais sensível, que estúpido que eu fui."
Aparentemente
isso parece sensato, mas o custo disso é a agressividade dessa postura consigo
mesmo, não há o que ser feito após uma condenação dessas, a pessoa usa de
linguagem violenta ao se punir. Esse hábito normalmente é estendido para os
outros.
b)
Culpar os outros. Aqui tentamos reverter a culpa
sobre a outra pessoa.
"Você
está sendo implacável comigo, tenho me dedicado tanto a esse
relacionamento!"
Nesse
caso, além de não abrir espaço para ouvir o que a pessoa diz, ainda
estabelecemos barreiras para que se continue o diálogo. Ao pedir que o outro
nos entenda, estamos pouco próximos da dor que ela sente ao nos chamar de
egoísta, reage-se com uma nova postura de quem só pensa em si mesmo.
c)
Escutar nossos próprios sentimentos e necessidades. Aqui já criamos uma maior consciência de
nossos sentimentos pessoais sobre aquele fato específico.
"Quando
diz que sou egoísta me sinto constrangido comigo, pois sinto necessidade de ser
querido e apreciado por você e ouvir isso me faz refletir."
d)
Escutar os sentimentos e necessidades dos outros. Aqui viramos o foco para o que a outra pessoa
necessita e nos pede (sem saber que pede).
"Quando
diz que sou egoísta imagino que queira mais consideração com suas vontades e
preferências, é isso?"
Nesse
caso, poderia parecer um ato de condescendência, mas esta rotularia o outro
como fraco, quando nesse caso estou tentando clarear as expectativas do outro
em relação a mim para abrir a conversa sem contra-ataques.
FOTO IRONIA TIRANIZA.....
*
* *
O
ponto crucial em lidar com conflitos é assumir 100% de responsabilidade por
nossos sentimentos, pois as situações externas e
pessoas são apenas gatilhos para reações internas hostis.
Sempre
temos plena liberdade para reagir de formas diversas. Afirmar que "bati em
você porque me provocou" é uma forma de isenção de responsabilidade.
Seria
mais preciso dizer "bati em você porque cedi a raiva diante do que
falou".
1.3.
Necessidades: quais valores e desejos geram nossos sentimentos?
Quando
nos comunicamos a partir de nossas necessidades, sentimentos e desejos, temos
mais chance de ser atendidos do que quando usamos julgamentos e avaliações.
Se
queremos uma reação compassiva devemos oferecê-la primeiro.
Julgar
é dar um tiro no próprio pé, cria fechamento e reatividade.
Ao
invés de pensar no que está errado na situação ou na pessoa, podemos pensar
sobre quais necessidades queremos ver atendidas. São muitas as
necessidades ocultas que carregamos. E as reivindicamos sem notar que fazemos,
mas de uma maneira que não fica claro para quem fala e quem ouve.
Autonomia,
lazer, celebração (luto, festa), integridade (honestidade, sinceridade,
escolha, autenticidade), comunhão (aceitação, calor humano, compreensão,
admiração, empatia, encorajamento), necessidades físicas (sono, fome, frio,
movimento físico, toque, espaço, saúde), conexão (mutualidade, consideração,
integração, confiança, abrigo), enlevamento (alegria, inspiração, harmonia),
pertencimento (inclusão, igualdade, contribuição, respeito, compreensão)
aprendizagem, paz, diversidade, criatividade, iniciativa, facilidade,
comunidade, liberdade, beleza, suporte, presença, cuidado, bem-estar, proteção,
clareza, estabilidade, ordem, independência, expressão sexual.
Essa lista de necessidades não é nem exaustiva, nem definitiva.
Destina-se como um ponto de partida para apoiar quem deseja envolver-se em um
processo de aprofundamento da autodescoberta e facilitar uma maior compreensão
e conexão entre as pessoas.
A
lista seria enorme, mas o importante é você identificar e ter clareza do que
precisa para que o outro tenha chance de reforçar e valorizar isso.
1.4.
Pedidos: claros e específicos
Aparentemente
conseguimos forçar as pessoas a fazerem coisas que sejam de nossa vontade,
principalmente quando um pedido oculta uma exigência ameaçadora. Mas isso tem
um preço.
Uma
exigência implica que a pessoa se submeta ou se rebele e isso afasta os outros
de uma conexão genuína. Afinal, se ela recusa a exigência corre o risco de ser
punida.
Quando
fazemos pedidos claros e específicos temos mais chance de ser atendidos. A
primeira dica é falar de modo que deixe claro o que você quer e não aquilo que
não quer.
"Não
quero que grite" é um não-pedido. Seria melhor pedir "que fale num
tom mais baixo".
Ao
invés de dizer "não quero que me deixe sozinha", seria mais preciso
"quando saímos com os seus amigos, me sinto mais confortável quando
permanece ao meu lado".
FOTO COMPLETAMENTE SOZINHO - VANTAGEM
Pedir
"justiça" é algo vago e tão extenso quanto "me dê espaço para
ser eu mesma".
É
fundamental ter clareza do que necessita ao invés esperar que alguém adivinhe
seu desejo só por suspirar de um certo modo. Ações objetivas são mais
compreensíveis e menos confusas. Caso não fique claro para o outro, cheque
com ele se entendeu o pedido ou refaça de outro modo, com tranquilidade.
"Quero
que me deixe ser quem sou" é inespecífico e abstrato, seria mais preciso e
observável "gostaria de estudar na faculdade que escolhi, cantar sem ser
repreendido, poder escolher e responder pelos meus horários e atitudes".
Tente
se comunicar quase visualmente, de modo que qualquer pessoa possa entender.
"Quero
te conhecer melhor" é inespecífico, ao passo que "gostaria de sair
para almoçar com você e conhecer mais seus gostos e sonhos".
2.
Como ajudar os outros e ouvir com verdadeira empatia
"Uma
mensagem difícil é uma oportunidade de enriquecer a vida de alguém."
–Marshall Rosenberg
A
forma como nos sentimos impotentes diante do luto de uma pessoa querida reflete
a maneira enganosa que tentamos ajudar os outros. Partimos da ideia que as
pessoas querem receber algum tipo de conselho salvador ou algo que resolva e
"conserte" seu problema.
Como
aconselhar os outros quando se trata de vida e morte?
A
postura usual aparentemente caridosa cria um tipo de hierarquia na relação
(quem sabe-quem ignora), ao mesmo tempo que rompe com um fluxo emocional
importante de quem expressa sua dor.
O
próprio ajudador se vê forçado a aplacar ansiosamente a dor, ficando impedido
de estar presente e ouvindo com total disponibilidade emocional.
Para
encontrar uma forma de comunicação genuína, é preciso interromper o fluxo de
nossos pensamentos habituais e oferecer uma escuta atenta.
O
maior sinal de que alguém realmente foi ouvido com empatia é quando a tensão de
suas palavras diminui e ela pode parar de falar e se sentir considerada e mais
relaxada sem achar que precisa fazer ou aprender algo.
Só
uma pessoa que recebeu empatia e está suficientemente atendida em suas
necessidades é capaz de oferecer algo de si para os outros sem impor a si mesma
sobre quem ajuda. Se você não se sente aceito, amado e respeitado em suas
relações é bem provável que tenha mais dificuldade em acolher os outros com
isenção de imposições.
Alguém
que esteja abafado por sua própria dor costuma colocar-se a frente dos outros
na hora de ajudar.
Aqui
seguem alguns exemplos de tentativas de ajuda que surgem de uma pessoa que não
está preenchidas em suas próprias necessidades:
Aconselhar: "você deveria" (imposição de
perfeição)
Competir
pelo sofrimento: "comigo foi até pior, nem
imagina..." (quer subestimar a dor do outro e reverter a posição de
vítima)
Educar: "que aprendizado pode tirar dessa
situação?" (quer catequizar)
Consolar: "você fez o melhor que pôde" (tenta
racionalizar uma dor)
Contar
uma história: "isso lembra uma história
que ouvi" (desviar o foco para uma lição de moral)
Encerrar
o assunto: "fica bem tá?"
(desvia da dor pela própria dificuldade em lidar com ela)
Solidarizar-se: "oh, meu deus, coitado" (postura
infantilizante)
Interrogar: "já pensou que essa pessoa não quis
dizer aquilo?" (tenta investigar motivações intelectuais ocultas para
afastar da dor emocional)
Explicar-se: "eu no seu lugar teria já feito..."
(colocar-se em forma superior)
Corrigir: "você não entendeu nada do que aconteceu,
está errada também" (criar culpa)
3.
Compaixão consigo mesmo
Sabe
o que existe em comum no sentimento que temos ao nos apaixonar, conquistar algo
valioso ou de atingir um estado psicológico de esperança ou liberdade?
Um
estado de abertura irrestrita para o novo sem culpa, vergonha ou avaliações
destrutivas sobre o que somos.
Ao
dizer "eu errei" imediatamente entramos numa postura de auto-acusação
sem nos dar a chance de mergulhar na dor decorrente de uma expectativa ou
necessidade frustrada.
A
ideia de que deveríamos ser assim ou assado impõe um estado psicológico de
obrigatoriedade e tensão. O tempo verbal do "deveria" pressupõe
aprisionamento, falta de escolha e desprazer, já uma escolha feita em sintonia
com um valor específico dá prazer colocar em prática.
Curiosamente,
no cotidiano temos pouca compaixão com nossas atitudes quando se trata de agir
de um jeito que contrariou nossas expectativas. Chamamos isso de erro, e
entramos num mar de auto-acusação.
Falta carinho com o desempenho duvidoso e inevitável de nossa biografia.
A
mesma comunicação não-violenta que utilizamos ao tentar ouvir as necessidades
dos outros pode ser aplicada ao fazer uma auto-análise. Diante de um
"erro", ao invés de cair no ciclo de acusações, podemos nos perguntar
que tipo de necessidade não foi atendida.
Um
homem chega tarde do trabalho e a esposa o acusa de colocar tudo a perder no
casamento dizendo que está cansado desses atrasos.
O
diálogo interno que se segue costuma ser implacável.
--
Eu deveria ter me imposto para o meu chefe, mas sou um covarde, faz 10 anos que
trabalho ali e ajo sempre do mesmo jeito. Que desastre ambulante.
Uma
outra forma de seria assim:
--
Quis mais uma vez agradar meu chefe e parecer eficiente, gosto de ser visto
como alguém insubstituível, ao mesmo tempo estou com medo de perder o emprego e
decepcionar minha esposa. De outro lado ela tem razão, quem aguentaria tantas
noites sem uma companhia, ela está pedindo meu amor e presença. Como posso
conciliar meu desejo de ser capacitado profissionalmente ao mesmo tempo que
quero passar mais tempo com minha família?
É
possível perceber que ao invés de entrar numa "solução" simples de
auto-acusação ele identificou quais eram as forças em jogo e se colocou numa
posição de alinhamento com seus valores contraditórios e os da esposa.
4.
Raiva
"As
pessoas que parecem monstros são apenas seres humanos cuja linguagem e
comportamento às vezes nos impedem de perceber sua natureza humana."
–Marshall Rosenberg
Diante
de uma pessoa que age de forma raivosa ou descontrolada, não notamos que ela
está se sentindo completamente incapaz de fazer pedidos claros e se conectar
com sua própria dor.
Uma
pessoa que projeta uma imagem "durona" costuma estar paralisada pelo
medo de ser vista como vulnerável e perder autoridade ou controle.
A
raiva costuma ser resultado de uma necessidade não atendida associada a uma
interpretação distorcida de um fato. Ao se irritar com um amigo pelo atraso,
lembre-se que não é o atraso apenas que causou a raiva, mas o desapontamento de
não se sentir respeitado em sua presença.
Longe
de ser irracional, a raiva é determinada pelas imagens e interpretações feitas
por nós das ações dos outros – tendo como referência nossa idealização do que
seria justo.
Se
uma criança da família pisa no seu pé, será avaliada com mais condescendência
se comparada a um adulto estranho, já que vai pressupor que ele deveria estar
olhando, atento, preocupado, cuidadoso e educado. Não é o pisão no pé que
estritamente criou a raiva, mas a necessidade de que adultos sejam corretos com
você.
Quando
expressamos raiva, gastamos uma energia enorme em punir alguém e não focamos em
atender as nossas necessidades. Ao mesmo tempo usamos julgamentos, análises e
ideias conspiratórias de que os outros são maus, mentirosos, irresponsáveis,
corruptos e gananciosos.
Certamente
alguém que nos ouça nesse estado emocional não irá se interessar pelas nossas
necessidades, mas apenas reagir com indiferença e hostilidade.
Quando
se sentir prestes a explodir, experimente:
1. Parar e respirar profundamente
2. Identificar os próprios pensamentos, em
especial aqueles julgadores
3. Conectar-se às próprias necessidades,
escondidas por trás da raiva
4. Expressar seus sentimentos e necessidades
não-atendidas
Marshall
dá o seguinte exemplo, em seu livro "Comunicação não-violenta", de
como reagir a um atitude de discriminação racial:
"Quando
você entrou nessa sala, começou a conversar com os outros, não falou nada
comigo e então fez um comentário sobre brancos, fiquei realmente enojado e
muito assustado. Isso despertou em mim todo tipo de necessidade de ser tratado
com igualdade. Eu gostaria que você me dissesse como se sente quando digo
isso."
Seria
difícil um conflito ganhar força diante de tal postura.
Mas
o que fazer quando somos nós o alvo da raiva?
Uma
possibilidade de lidar com a raiva de alguém seria identificando qual o pedido
implícito no esbravejamento, fazendo perguntas empáticas:
"Queria
entender melhor, como você se sente a respeito disso?"
"Gostaria de ouvir seus reais sentimentos em relação a tal coisa..."
Reforçando
assim a conexão com suas necessidades profundas e deixando cada vez mais claro
o que a pessoa quer, ao invés de entrar num embate intelectual.
Exercícios práticos
Imagino
que agora temos muito a que pensar sobre a maneira como nos relacionamos e
falamos com as pessoas de modo geral, seja na hora de expressar um incômodo ou
ouvir um problema, e até de que como administramos nossos próprios sonhos,
medos, desejos e necessidades.
Tenho
a esperança de que ao terminar de ler esse texto você possa estar menos
adormecido para a compaixão.
Também
gostaria de ressaltar que a CNV não é uma maneira de obrigar você a parecer
passivo, simpático ou com ausência de força, mas em como chegar em resoluções
que possam alinhar você, o outro e o mundo em que vivemos.
Esse
método propõe muita ação, persistência e tranquilidade, para entender que
existe um espaço humano seguro para discordar e até não se entender – e mesmo
assim seguir conectado, dialogando.
A
comunicação não-violenta teria muitos desdobramentos e percursos que não foram
tratados nesse texto (como elogiar com verdadeira empatia, lidar em conflitos
de guerra, negociação com criminosos, educação escolar, justiça restaurativa,
como e quando usar a força física...), mas gostaria de ouvir vocês e saber se
estão satisfeitos com o modo como se comunicam hoje.
Proponho
três exercícios práticos:
1.
Comentar nesse texto ou em outros artigos do próprio PdH já exercitando essas
ideias
2.
Ver na sua lista de comentários passados no Disqus como poderia melhorar sua
maneira de se comunicar
3.
Testar esses princípios com alguém num assunto difícil, fora da web, e depois
relatar por aqui como foi
Que
tal?
Para aprofundar:
- "Comunicação não-violenta - técnicas para aprimorar relacionamentos
pessoais e profissionais"
- Marshall Rosenberg - Editora Ágora
- NVC Academy:
treinamentos online
- Lista de sentimentos relacionados a quando temos nossa necessidades
atendidas e quando não as temas atendidas
- Marshall falando sobre CNV (legendado)
- Center for Non Violent
Communication
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